Como uma sandália especial ajudou o Rei do Cangaço a escapar da polícia? Conheça a história de Lampião
Considerado o 'Rei do Cangaço' na década de 1930, Lampião tinha sandálias sob medida para fugas.
A transformação de Virgulino Ferreira da Silva em Lampião, o temido vilão do cangaço brasileiro na década de 1930, ocorreu após um trágico acontecimento. Na ocasião, o jovem Virgulino testemunhou o assassinato de seu pai pela polícia em decorrência de um conflito agrário.
Sua habilidade excepcional com o rifle, que parecia um candeeiro aceso nas noites escuras da caatinga de tanto atirar, lhe rendeu o apelido pelo qual ficou conhecido.
Lampião se tornou um fenômeno histórico e político, uma figura ambígua que a história tradicional ainda não consegue definir, dependendo da perspectiva de quem a conta. Ele costumava dizer:
“Não sou cangaceiro por vontade própria, mas devido à maldade dos outros.”
No entanto, é inegável que sua luta contra a miséria no Nordeste brasileiro o tornou um dos personagens mais emblemáticos da história do país. Mesmo assim, ele continuou sendo perseguido.
Suas artimanhas para escapar das autoridades eram tão famosas quanto sua história. A sagacidade de Lampião era tanta que ele mandou fazer sandálias sob medida para fugir da polícia. E há até mesmo quem diga que ele tinha um corpo fechado pelo Orixá Ogum!
Conheça a história de Lampião e saiba mais sobre as suas famosas sandálias, usadas para fugas.
Morte do pai levou Lampião para a vida de cangaceiro
Aos 21 anos, antes de sua vida mudar drasticamente, Lampião era alfabetizado, algo bastante raro na pobre região sertaneja onde vivia. Virgulino sonhava em proporcionar uma vida melhor para sua família.
No entanto, quando seu pai foi morto, em 1919, todos esses sonhos se desvaneceram. E apesar de muitas fontes afirmarem que o Sr. José Ferreira da Silva foi abatido em um confronto com a polícia, os documentos oficiais não são claros.
Ao que tudo indica, o homem estava exercendo suas atividades do dia a dia quando foi surpreendido pelo Tenente José Lucena de Albuquerque Maranhão.
João Ferreira da Silva, um dos irmãos de Lampião, contou:
“Findo o tiroteio, seguido pelo abandono do local pela tropa, eu o fui encontrar sem vida, caído sobre um cesto, tendo às mãos uma espiga de milho, que estava debulhando, ao morrer.”
Determinado a vingá-lo, Virgulino se juntou a seus dois irmãos e entrou para o grupo liderado pelo cangaceiro Sinhô Pereira.
Um símbolo para o cangaço
Três anos depois, Lampião já era o líder do bando em Pernambuco e assassinou o informante que, supostamente, havia entregado seu pai à polícia.
Nessa época, o cangaceiro também já havia realizado o maior assalto da história do cangaço contra a Baronesa de Água Branca, em Alagoas, marcando o início de seus anos de fuga.
O cangaceiro foi perseguido por toda a polícia do Nordeste ao longo de quase 20 anos, desafiando não apenas as autoridades locais, mas também o poder central do Brasil.
Ele sequestrava coronéis e assassinava cruelmente seus inimigos e desafiantes, ao mesmo tempo em que distribuía doces para crianças, remédios para os necessitados e comida para uma população que havia sido deixada para morrer nos sertões.
Lampião também estava presente em casamentos, festas e batizados, dançando xaxado e cantando repentes com seu bando.
Além de suas habilidades, Lampião ficou conhecido por criar um código de vestimenta que se tornou um símbolo cultural no sertão. Ele percebeu que suas roupas seriam motivo de orgulho para seus comparsas e que imporiam respeito por onde passassem.
Seu senso estético requintado e extravagante incluía símbolos como a cruz de malta (associada aos cavaleiros de Malta), a estrela de Davi (que oferecia proteção mística) e a flor-de-lis (usada nos escudos da realeza francesa).
Esses símbolos eram alinhados com lenços, broches, anéis, cartucheiras e coletes, conferindo-lhe uma aparência majestosa.
As sandálias de Lampião
No entanto, nem tudo se resumia apenas ao estilo. Lampião também levou em consideração seu conforto e facilidade para escapar da polícia quando encomendou uma sandália ao artesão Raimundo Seleiro.
Através de um intermediário, ele explicou que queria uma sandália especial, com solado quadrado e sem marcas curvas, a fim de não revelar a frente do calçado. Dessa forma, ele deixaria pegadas quadradas na poeira, dificultando que a polícia rastreasse sua direção.
Lampião até desenhou como queria suas sandálias para que o resultado fosse perfeito. Seleiro, então, seguiu rigorosamente as instruções do cliente.
Dias depois, quando um capanga veio buscar o pedido, ele descobriu que as sandálias eram para Lampião. Segundo seu filho, Espedito Velozo de Carvalho, Raimundo Seleiro disse que o capanga poderia levar as sandálias sem precisar pagar por elas.
Como agradecimento pelo trabalho, o rei do cangaço enviou um punhal que tinha valor afetivo para ele.
O filho do artesão, Espedito, carrega a marca de Lampião até hoje e o legado das sandálias, tornando-as o item de moda mais revolucionário da história brasileira. As mesmas são produzidas sob encomenda e já chegaram a ser utilizadas até mesmo no cinema por Marcos Palmeira em “O Homem que Desafiou o Diabo” (2007).