Brasil registra recorde de endividamento: 77,9% das famílias estão endividadas, segundo a PEIC
População mais vulnerável às mudanças da inflação é composta de mulheres chefes de família e acima dos 35 anos.
Não é de hoje que o assunto endividamento e inadimplência gera muita preocupação, sobretudo para a classe trabalhadora, que é afetada pelas mudanças bruscas de mercado.
No entanto, hoje, esse assunto ficou ainda mais grave, pois testemunhamos um recorde de endividamento no país: cerca de 77,9% das famílias brasileiras estão endividadas, de acordo com a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (PEIC).
Em entrevista à BBC, conhecemos Adriana da Silva Lins, que conta a sua história que se assemelha a tantas outras no país. Em consequência do arroxo do mercado, tanto em empregos como em salários, ao longo da pandemia ela acumulou várias dívidas.
Mas como isso aconteceu? A economista da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) Izis Ferreira explica que três fatores contribuíram para esse recorde de endividamento:
- Alta da inflação até a metade do ano (reduz o poder de compra das famílias);
- O crescente incentivo ao uso do cartão de crédito; e
- Demanda represada de serviços (para os mais ricos).
De acordo com a economista, a face negativa do endividamento para a maior parte da população é a inadimplência (o não pagamento de conta ou dívida), que também alcançou proporções recordes.
Essa questão vira uma bola de neve, porque, uma vez que as pessoas não pagam suas dívidas, num cenário de juros altos, o valor das dívidas aumenta. Consequentemente, dificulta a negociação e o pagamento dessas dívidas.
Nesse ciclo de inadimplência, os juros sobem. Por causa do risco de não pagamento, que faz com que as pessoas gastem menos (única opção que elas têm para não ficarem mais endividadas), desacelerando a atividade econômica e do emprego.
Perfil dos inadimplentes
A pesquisa da CNC também traçou o perfil das pessoas que estão dentro desse recorde de endividamento no Brasil. De acordo com a pesquisa, o perfil tende para: mulheres, com menos de 35 anos,Ensino Médio incompleto e moradora das regiões Sul ou Sudeste.
O que explica essa questão? Izis observa que as mulheres geralmente trabalham mais na informalidade, em tempo parcial e com rendas instáveis. Isso faz com que elas recorram ao cartão de crédito e ao carnê de loja, como extensão do orçamento das famílias.
Além disso, no Brasil, muitas mulheres são chefes de família (renda única da casa), isso conta como uma condição de vulnerabilidade no mercado de trabalho maior do que os homens.
No entanto, a pesquisa aponta que as mulheres usam modalidades de crédito de pior qualidade, então, quando essa dívida atrasa (e por conta a instabilidade de renda elas atrasam, sim), ela vai encarecendo.
Resposta ao recorde de endividamento: Programa Desenrola Brasil
O governo federal pretende lançar, ainda em fevereiro, o programa Desenrola a fim de facilitar as condições de renegociação de dívidas. No entanto, detalhes sobre o programa não foram divulgados.
A economista da CNC Izis Ferreira aponta que o programa deve priorizar a população mais vulnerável a esse cenário de recordes de endividamento no país. Isso porque as pessoas que têm dívidas atrasadas há mais tempo estão sujeitas aos juros maiores.
Nesse perfil vulnerável, estão as famílias com dívidas atrasadas no cartão de crédito, mulheres, pessoas de menor renda, de menor escolaridade, segundo informação da economista. Ela explica que, ao atender a essas pessoas, é possível garantir o consumo futuro dessas famílias. O consumo é um dos motores de crescimento econômico de um país.
O ministro da Fazenda Fernando Haddad anunciou, na segunda-feira (14), que o desenho do programa já está pronto e passa para a análise do presidente. Caso seja aprovado, ele deve ser lançado depois do Carnaval.
De acordo com informações do jornal O Estado de S. Paulo, o Programa Desenrola deve contemplar pessoas que recebem até dois salários mínimos, com dívidas de até R$ 5 mil (atrasadas há mais de 180 dias em 31 de dezembro de 2022).