Leite que não é leite: ‘produtos lácteos’ tomam as prateleiras dos mercados
O que são essas novas 'bebidas sabor leite' que encontramos nas prateleiras?
Tem cara de leite, tem gosto de leite, mas não é leite! Atualmente, é mais comum ver nas prateleiras uma série de novos produtos lácteos com “sabor leite” ou “sabor leite condensado” escrito nos rótulos. Eles são convenientemente dispostos nas gôndolas ao lado dos conhecidos laticínios, mas não o são.
Que moda é essa, agora? Antes de mais nada, é importante saber que essas novas opções alimentícias estão de acordo com a lei. Esses produtos são regulamentados por órgãos competentes, como o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) ou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Entretanto, optar por uma “mistura de creme de leite com soro de leite” para substituir o creme de leite em uma receita certamente provocará alterações no seu produto. Afinal, não se trata do mesmo produto que a gente costumava consumir e encontrar há alguns anos no mercado.
O que mudou? Para entender o crescimento na produção dessas novas opções de alimentos lácteos, é necessário antes compreender o cenário do setor leiteiro no Brasil. Vamos lá?
Como o leite chega até os mercados?
A pesquisadora Kennya Beatriz Siqueira, da Embrapa Gado de Leite (em Juiz de Fora – MG), explica que existem três fatores que ocasionaram o aparecimento de novos produtos lácteos no mercado: a crise financeira, a inflação e a escassez de matéria-prima.
Segundo dados da Embrapa, os custos da produção de leite aumentaram em 62% nos últimos dois anos. Para entender esse impacto, precisamos compreender a cadeia produtiva que envolve o processo por trás do leite que chega nas prateleiras dos mercados.
Ao comprar um litro de leite, você não está pagando apenas pelo produto e sua embalagem. Nele, está embutido o preço do transporte, alimentação e cuidado do gato, e problemas naturais – como estiagens, queimadas e excesso de chuvas – que impactam a cadeia produtiva do alimento.
Toda essa cadeia sofreu com o aumento dos preços. Alguns exemplos são: a ração dada ao gado, energia elétrica que mantém os currais e o combustível do transporte dos animais e do alimento final. Kennya explica que:
“Por conta disso, muitos produtores se desfizeram de parte do rebanho e venderam as vacas menos produtivas para os abatedouros.”
E isso significa que há menos leite disponível nas fazendas brasileiras. Todos esses fatores fizeram o leite e produtos derivados em geral os grandes vilões da inflação. De acordo com o Índice de Preços ao Consumidor (IPCA), o leite longa vida teve um aumento de 57% durante o ano.
Soro de leite pode ser um ‘placebo comestível’
Com a matéria-prima mais cara e menos disponível no mercado, a indústria precisou se adaptar para lucrar mais com produtos com qualidade inferior. Daí que surgiu a estratégia de substituir parte do leite na fórmula dos alimentos.
Os novos produtos lácteos que vemos nos mercados atendem às demandas da população, mas com pequenas alterações na embalagem, que às vezes “passam batidas”.
Ao invés de ler a descrição de produto que você estava acostumado, não é incomum encontrar uma “mistura alimentícia com queijo ralado”, um “doce de soro de leite sabor doce de leite” ou um “pó para preparo de bebida sabor leite”. Mas o que isso representa na composição desses alimentos?
Essa mudança implica na quantidade de leite que, de fato está presente na composição desses alimentos. Basicamente, o leite foi trocado pelo soro de leite, que é um composto que “sobra” e costumava ser descartado na produção de queijos.
Em média, a produção de um quilo de queijo gera cerca de oito litros de soro. Então, pense em quanto soro costumava ser jogado fora que agora é aproveitado pela indústria de laticínios.
Até onde se sabe, esse produto não faz mal à saúde e pode ser consumido, porém possui menos nutrientes que o leite. O professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Rafael Claro, alerta que:
“O soro, porém, tem uma base sólida muito menor do que o leite. Essencialmente, ele é água, com um teor menor de proteínas e carboidratos. E isso muda a composição do produto final para algo pior do ponto de vista nutricional.”
Novos produtos lácteos têm muitos aditivos
Então, você deve estar se perguntando: como que um alimento diluído continua se parecendo com o que costumávamos comprar antes?
Bem, para que os alimentos mantenham o sabor e a textura familiar dos originais, além do soro de leite, as empresas adicionam outros ingredientes complementares que dão consistência e sabor, como o amido, a gordura vegetal e o açúcar.
Mas, em alguns casos, acrescentar esses compostos não é suficiente para que o produto se pareça com o original. Então, as empresas precisam acrescentar outros compostos químicos, como emulsificantes, adoçantes e aromatizantes.
Vale ressaltar que a gordura vegetal, por exemplo, não é bem digerida pelo corpo humano. O açúcar também faz muito mal para o organismo quando consumido em excesso.
Ainda, mesmo que os produtos se pareçam em textura e sabor com os originais, eles não têm as mesmas propriedades nutricionais que a opção não aditivada – que agora é muito mais cara e difícil de encontrar.
Caso o consumidor sinta que foi lesado na apresentação do produto ao realizar uma compra, ele tem o direito de acionar órgãos de fiscalização. Para isso, basta fazer uma denúncia no Procon, no site do Consumidor e no Observatório de Publicidade de Alimentos.