Record ataca Death Note e abre novo precedente contra animes

Rede Record faz grande critica ao anime e afirma que o conteúdo é impróprio para crianças

No dia 17 de outubro de 2021, durante o programa Domingo Espetacular, a Record TV fez um suposto alerta acerca da exposição de crianças a conteúdos violentos. O alvo em questão foi Death Note, um anime criado em 2006 e exibido há mais de 10 anos no Brasil.

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Embora o anime seja muito antigo e, claramente, destinado a maiores de 16 anos — fato apontado pela própria emissora — a reportagem retratou a produção como novidade, a mais recente “ameaça contra a juventude”, apresentando relatos de pais e alunos que corroboravam com essa imagem. Mas essa é uma matéria sobre um anime criado há mais de 15 anos ou um atraso da emissora em um movimento oportuno?

Alguns dias antes, o governo haveria proposto uma “política de qualificação de conteúdo para crianças e adolescentes”, cujo objetivo seria “mapear potenciais abusos provocados por violações aos direitos em programas de TV, rádio e conteúdos audiovisuais”. O documento foi assinado por Anderson Torres e por Damares Alves (Ministra da Mulher, Família e dos Direitos Humanos), que, em 2018, acusou o filme Frozen – Uma Aventura Congelante de ser uma “articulação satânica para promover o lesbianismo”.

Durante o evento de assinatura da portaria, a ministra Damares citou um vídeo recebido pelo WhatsApp como exemplo de material violento ao qual as crianças estariam sendo expostas. Pela descrição, a ministra parecia estar se referindo à série sul-coreana Round 6, fenômeno de audiência da Netflix que, assim como Death Note, tem classificação indicativa para maiores de 16 anos.

É improvável que não exista nenhuma ligação entre a assinatura da portaria interministerial e a matéria exibida pela Record TV, emissora que aparenta estar sempre alinhada aos interesses, pautas e à ideologia do governo atual. Muitos acreditam que Death Note tenha sido, inclusive, apenas um bode expiatório, um estopim escolhido pela emissora para promover a ideia de que animes podem ser perigosos para crianças e trazerem conteúdos aos quais não deveriam ser expostas.

Vale observar que o Brasil já contava com um órgão responsável pela avaliação da Classificação Indicativa desde 2012, o Comitê de Acompanhamento pela Sociedade Civil para Classificação Indicativa (CASC). Portanto, é suspeita esta recente movimentação do governo em relação à regulamentação das mídias exibidas em território brasileiro.

Os animes, por tratarem de temas mais maduros e emocionalmente mais complexos do que as animações ocidentais, acabam sendo alvos muito visados nesse tipo de operação. Características como a violência, apesar de serem apenas elementos narrativos, com a função de criar tensões morais, como a dualidade de “bem vs mal”, acabam se encaixando na estratégia de fomentação do medo desse tipo de medida governamental. Isso também gera um conflito de interesses comerciais nas emissoras, que deixam de exibir os animes por não poderem exibi-los em horários estrategicamente vinculados ao público infantil.

É importante lembrar que a Classificação Indicativa é válida tanto para emissoras quanto para plataformas de streaming, que oferecem ferramentas de bloqueio de conteúdo impróprio para determinadas faixas etárias, cabendo aos pais e responsáveis utilizarem desses recursos para a regulação do conteúdo que é consumido pelas crianças e adolescentes com acesso à essas plataformas.

Ainda não é claro o que será feito com essa nova portaria. Com descrições tão vagas, não é possível determinar se será um recurso legítimo da política de Classificação Indicativa ou se será usada para perseguir conteúdos considerados “inadequados” pelo governo. O que se sabe é que os animes e demais produções asiáticas enfrentam uma perseguição cultural há muito tempo, não é difícil imaginar que se tornem alvos no futuro, seja quais forem as intenções do acusador.

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