Como ‘Homens de Preto’ aborda sutilmente o tema do preconceito

Pouquíssimos filmes seguem com a mesma perspectiva

Talvez você nunca tenha percebido ou não tenha parado para pensar dessa forma, mas uma das primeiras coisas que ‘MIB: Homens de Preto’ faz é convidar aquele que assiste a abandonar seus preconceitos por, pelo menos, 1 hora e 48 minutos. Caso contrário, você dificilmente aproveitará o filme em todo seu potencial e glória.

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Não foi por acaso que o filme dirigido por Barry Sonnenfeld conquistou tanto a crítica quanto o público. Estrelado por Tommy Lee Jones e Will Smith, o filme faz uma crítica social tão sutil que muitos nem a percebem, considerando o filme como uma simples “comédia de ação”. Mas como a quebra de expectativas é um recurso constante do longa, é possível que assisti-lo tenha feito você levar pra sua vida a lição de “nunca julgar um livro pela capa”, mesmo sem ter percebido.

Abordando temas como xenofobia, crise existencial, lugar de pertencimento, preconceito e luto, muitas pessoas podem duvidar que estamos realmente falando “daquela comédia sobre aliens”. Embora implícitas, as críticas sociais que o filme aborda são tão atuais que, se você assisti-lo com atenção depois de ler esse post, pode até duvidar de que ‘Homens de Preto’ foi lançado há mais de 20 anos, em 1997.

Em uma das primeiras cenas, logo de cara, já é abordado o tema da xenofobia, embora fortemente focado no contexto social dos Estados Unidos. Na cena, um policial responsável por patrulhar a fronteira dos Estados Unidos com o México decide parar uma van que tentava atravessar imigrantes mexicanos para o norte da fronteira, de forma ilegal. A abordagem é um tanto quanto passivo-agressiva, quando o policial revela os cidadãos do México na traseira da van, os “homens de pretoAgente K (Tommy Lee Jones) e seu parceiro Agente D (Richard Hamilton) imediatamente aparecem para assumir o caso.

Embora tenha sua autoridade questionada pelo policial, K não se abala e puxa conversa com os imigrantes, cuja maioria tenta entrar no país a trabalho. K os tranquiliza, chegando até mesmo a desejar-lhes “boas-vindas aos Estados Unidos da América. Quando ele começa a falar em espanhol com um deles, que não entende uma única palavra, o Agente K percebe que havia encontrado o alienígena que procurava.

Logo após, os homens de preto detém o homem sob custódia e ordenam que os imigrantes mexicanos embarquem na van e sigam seu caminho em direção aos Estados Unidos. É claro que a ordem não é tida sem o protesto do policial da fronteira, que deu início à abordagem, mas o Agente K insiste e, logo após, também dispensa os policiais. A cereja do bolo é a “debochada” de K, que, sarcasticamente, agradece-os por manter o país protegido dos “perigosos aliens” (um trocadilho com a palavra ‘alien’, que pode se referir tanto a seres extraterrestres quanto a um termo pejorativo para imigrantes ilegais).

Apesar de durar menos de três minutos, o simbolismo dessa cena é muito potente e, querendo ou não, faz uma declaração muito forte. Afinal, a cena pinta um mundo em que existem problemas muito mais graves e mais urgentes do que a imigração de indocumentados, deixando bem claro que para acompanhar o filme a partir daquele ponto você vai precisar abandonar os estereótipos que te ensinaram. Para os mais atentos ou, até mesmo, para os millenials que reassistiram o filme depois de tanto tempo, fica claro que os ‘aliens’ fazem um nítido paralelo metafórico com comunidades e etnias marginalizadas, além de como as instituições de segurança pública lidam com elas.

Em um outro momento do filme é explicitamente problematizado a ideia de agir em função de aparências e estereótipos. A cena em questão acontece durante o processo seletivo pelo qual Edwards (futuramente Agente J, interpretado por Will Smith) deve passar para se tornar um homem de preto. Durante o processo, os participantes fazem uma prática de tiro, em que devem atirar nos alvos que julgarem perigosos. Durante uma chuva de tiros e um verdadeiro caos das balas de seus concorrentes voando, em meio a figuras de papelão sendo atingidas, Edwards faz um único disparo.

Em seguida, é revelado que o tiro foi disparado contra a figura de papelão do que aparenta ser uma garotinha segurando alguns livros. Quando questionado “por que achou que a pequena Tiffany merecia morrer”, Edwards diz que ela era a única que parecia ser realmente perigosa. É óbvio que achamos a constatação absurda, o personagem parece até estar brincando. Mas logo em seguida, Edwards explica que onde o público enxergou alienígenas perigosos, ele viu “um cara malhando” e outro “apenas gripado, querendo assoar o nariz”. Quanto à “Tiffany”, o fato de uma garotinha que parecia ter oito anos de idade estar sozinha na rua à noite, com livros de física quântica avançados demais para sua idade, foi o que chamou atenção do futuro homem de preto. Alguns fãs já apontaram até que a cena pode ser uma referência (e ao mesmo tempo uma crítica) à violência policial baseada em estereótipos.

De qualquer forma, fazendo uma crítica direta ou indireta, o filme constantemente desafia as ideias pré-concebidas do espectador e as regras arbitrárias que determinamos em nossas mentes. Seja pela arma comicamente pequena que, na verdade, é muito poderosa ou pelo especialista em política intergaláctica, por algum motivo, ser um cachorro pug. O fato é que o filme alfineta o statu quo da sociedade ao mesmo tempo em que desafia os próprios preconceitos de quem assiste. Se você ainda não tinha reparado nisso, esperamos ter aberto um pouco sua mente para a próxima vez que ‘MIB: Homens de Preto’.

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