‘Nightmare Alley’ traz uma trama mística em meio a moralidade de uma sociedade quebrada

“Você pode abraçar suas curiosidades mais perversas aqui”, encoraja o show

O filme ‘Nigthmare Alley’ traz uma trama muito interessante, que mistura uma sociedade traumatizada em busca de diversão um tanto contraditória, em meio ao moralismo do começo do século 20.

Leia mais: Bridgerton: imagens inéditas da segunda temporada

As pessoas vão pagar um bom dinheiro apenas para se sentirem melhor”, é o que diz o chefe do show de horrores chamado carnaval. E neste ambiente, onde um público comum encontra diversão, podemos ver coisas bizarras como um homem mordendo a cabeça de uma galinha viva.

Tudo é muito bem disfarçado ou, pelo menos, a sociedade finge que não vê a problemática do que estão assistindo, pois o show tem a preocupação de dar um toque de respeitabilidade, fornecendo uma prova do que seria uma vida de devassidão, caso o público decidisse segui-la. Mas não é o caso. Todos (ou pelo menos a maioria) que estão ali assistindo as bizarrices do carnaval são tementes a Deus, por isso, pagam para ver outras pessoas cometendo excentricidades que eles mesmos não têm coragem de fazer.

A casa de shows é chamada de House of Domnation e se considera um convite a “examinar a si mesmo, pecador”. A apresentação tem toda uma aura religiosa, onde as declarações de Hoadley parecem muito com sermões. Até o discurso de vendas é um derivado religioso, onde patter, que é o nome do discurso, é derivada de Pater Noster, que significa Oração do senhor.

Tudo dentro do show é para que o público religioso se sinta bem em vivenciar uma experiência proibida, o prazer de ver o pecado e saber que não estará pagando por ele. E o espetáculo sempre incentiva a não seguir o caminho do pecado, por exemplo, quando a aranha humana conta que se transformou em tal devido ao pecado de desobedecer aos pais, ainda alerta o público para não serem lascivos ou orgulhosos.

Há um mundo místico dentro do carnaval, onde médiuns e mentalistas podem acessar o mundo dos mortos, e talvez saber de coisas que não parece ser possível a uma pessoa comum. Mas, neste caso, Madame Zeena (Toni Collette) e Pete (David Strathairn) reconhecem o perigo de enganar as pessoas com o sobrenatural. “Nada de bom sai de um show de fantasmas”, avisam eles a Stan (Bradley Cooper), “Não é esperança se for mentira”.

Mas o problema dos ocultistas é quando eles próprios começam a acreditar em seus poderes – ou, pelo menos, acreditam que não serão pegos ao fingir tão bem -, pois começam a atrair um público muito sensível dos anos 40, caracterizados pelo luto e pela miséria, que gastam o que tem para ter o conforto do mundo espiritual.

Nesta época, a sociedade estava muito machucada por uma sequência de tragédias que havia acometido as últimas décadas. Primeiro uma grande guerra que ceifou a vida de conhecidos e familiares de um jeito cruel e precoce, depois uma epidemia de gripe, que devastou ainda mais com as famílias, aumentando o rastro de tristeza e dor. Logo depois, a Grande Depressão, levando prejuízo financeiro a quem já estava em uma situação ruim.

A fé destas pessoas não dava o conforto imediato que muitas precisavam, fazendo-as buscar ajuda em sessões espiritualistas, onde podiam ter o conforto de acessar o mundo espiritual, com ajuda de mentalistas que prometiam acalmar seus males, promovendo encontros com seus entes queridos que já se foram. Mas tudo isso tinha um preço, estas pessoas passavam a abrir mão de seus valores cristãos em busca de um conforto de certa forma enganoso.

E mesmo quando o xerife tenta fechar o carnaval, Stan consegue fazer com que ele anseie pelas sessões de clarividência e se deixe manipular pelo que vê. Em Nightmare Alley, até os ricos e poderosos se deixam levar pelo carnaval bizarro que acontece em House of Domnation.

O sobrenatural mistura-se a moralidade em Nigthmare Alley, em um jogo um tanto hipócrita, que acalenta o coração dos desesperados e permite aos indivíduos quebrados um vislumbre de depravação proibida, castigando-os com suas fés.

você pode gostar também