Mais uma vez, hoje – 10/10/2021 – voltam a pipocar no Twitter (na minha opinião a rede social mais tóxica da internet), acusações de que o escritor J.R.R. Tolkien seria racista, além de uma acusação estapafúrdia de que ele teria copiado trabalho da escritora J.K. Rowling.
Quanto a parte de que Tolkien “teria copiado trabalho da escritora J.K. Rowling“, vou considerar apenas ignorância literária de quem postou (imagem abaixo). Não tem nem como levar a sério essa acusação considerando quando foi escrito o material de Tolkien envolvendo a Terra Média, todas as suas raças, línguas e aventuras e quando foi escrito o universo Harry Potter (do qual também sou fã).
Sabemos que a terra-Média, mundo criado por Tolkien, é habitado por uma variedade de povos, cada um com sua própria cultura, história e língua e cultura.
Destaco as três principais raças: Homens, Elfos e Anões e que ao mesmo tempo são os “heróis” das aventuras. Isso é claro, com a ajuda ímpar dos Hobbits. Os vilões da Terra-Média, são em sua maioria os orcs e os homens aliados a Melkor ou Sauron.
O que as pessoas usam como argumento contra Tolkien?
Dos muitos argumentos que pessoas tentaram utilizar para acusar a obra de Tolkien de racista eu destaco:
- Os Elfos de pele branca, loiros e esbeltos e que por isso são a raça superior;
- Os homens bons e aliados (como os Rohirrim) terem características de europeus/nórdicos enquanto os homens do sul que são vilões/piratas (Haradrim) tem a pele escura;
Por exemplo, a seguir vemos a análise de Tom Alan Shippey ¹, onde podemos entender um pouco mais dos dois tópicos listados acima:
A menção, na “Batalha nos Campos de Pelennor”, a “homens negros como meio-trols” certamente soa como racista. Acho que eu diria aqui que Tolkien, nesse ponto, está tentando escrever como um cronista medieval, e quando os europeus medievais encontraram, pela primeira vez, os africanos subsaarianos, ficaram genuinamente confusos sobre eles, e muito assustados. Como Tolkien apontou em seus primeiros trabalhos acadêmicos, os ingleses antigos pareciam acreditar em demônios de fogo, que naturalmente tinham a pele como fuligem — a palavra que eles davam para eles, “harwan”, é relacionado ao latim “carbo”, “fuligem” ou carbono. Um anglo-saxão que encontrasse um africano pela primeira vez pode então realmente se perguntar (por um momento, a certa distância) se ele era um demônio de sua própria mitologia. Isso não significa que Tolkien partilhava da mitologia ou do engano.
Após essa leitura, eu gostaria de lembrar que Tolkien, que participou ativamente da Primeira Guerra Mundial (recomendo nesse ponto a quem interessar possa ler a biografia do autor), era acima de tudo um pacifista, o que é curioso para alguém que escreveu incríveis batalhas em suas obras.
Tolkien várias vezes (através de cartas trocadas com os fãs), afirmou que O Senhor dos Anéis não era uma analogia a Segunda Guerra Mundial. Apesar de que, não podemos negar que o tempo em que ele passou no front influenciou suas obras, porém o que ele queria era apenas contar uma história sobre o bem e o mal.
A princípio, sem ir mais profundamente, podemos considerar essas divisões Elfos brancos e loiros x Orcs de pele escura como racismo. Porém, em nenhum momento a obra de Tolkien é alegórica.
Ele queria criar – e criou – toda uma mitologia onde existem seres que são descendentes de outros seres superiores, divinos e seres que foram rumo a escuridão, as trevas, ou como conhecemos Mordor “onde as sombras se deitam“.
Um exemplo dessa criação de mitologia é quando lemos em o Silmarilion, quando acontece o encontro entre Elfos e Homens não existe nenhum tipo de domínio ou subjugação (como na história humana por exemplo onde europeus chegam na América ainda desconhecida para conquistar, escravizar e explorar).
Os próprios elfos, possuem problemas com a raça dos anões, mas não é um problema de ser uma raça superior ou não, elfos não escravizam ou exploram anões nem vice-versa, são desentendimentos que ocorreram várias vezes.
Outro exemplo: após a Batalha nos Campos de Pelennor, os heróis e protagonistas da história não viajam com seu exército vitorioso para o sul/oriente para subjugar os Haradrim restantes e tomar suas terras.
A união entre Gondor e Rohan, fica muito mais forte após Aragorn assumir o trono. Aragorn conquista o direito de ser rei e isso não acontece porque o povo de Gondor seja racialmente superior aos rohirrim.
Utilizei várias vezes o termo “subjugar” porque o racismo se baseia nisso: uma raça subjugando a outra por critérios raciais.
O que precisa ficar muito bem definido e claro na obra O Senhor dos Anéis, é que os heróis são homens brancos porque se trata de uma mitologia europeia.
O próprio Tolkien afirmou diversas vezes que a Terra Média era uma versão muito antiga e esquecida da Europa. Apenas isso. Sem alegorias, e sem a obrigação de detalhar esse tema tão complexo numa história de fantasia.
Em uma das cenas finais de O Retono do Rei, vemos Aragorn – já rei – agradecer e se ajoelhar perante os hobbits.
Os hobbits são criaturas com praticamente metade da altura de um homem adulto e mesmo assim, com bravura suficiente para encarar tarefas que muitos homens não conseguiriam (como foi o caso de Isuldur antepassado de Aragorn) concluir.
Um hobbit, comum do condado, sem poderes. Fazendo uma analogia: um homem comum, sem ganancia ou pretensões.
Para concluir
Gostaria de citar que em sua vida pessoal Tolkien sempre criticou bastante o racismo. Nascido na África do Sul, de pais ingleses, Tolkien sempre foi contra as políticas racistas que viu em sua vida.
Tolkien declarou que tinha o ódio ao Apartheid até os ossos. O escritor uma vez se referiu a Hitler como “pequeno ignorante avermelhado”.
“Tenho o ódio do apartheid em meus ossos; e, acima de tudo, detesto a segregação ou separação da Língua e da Literatura. Não me importa qual deles você acha que é branco.” (Trecho de uma carta à Universidade de Oxford, em 1959).
Apesar de toda essa convicção, Tolkien não era obrigado a trazer estas pautas para sua obra. Nem ninguém que deseja escrever deve ser.
¹ Thomas Alan Shippey é um estudioso britânico e professor aposentado de literatura inglesa antiga e inglesa, além de medievalismo e fantasia moderna e ficção científica. Em particular, ele é amplamente considerado um dos principais estudiosos acadêmicos do mundo sobre as obras de J. R. R.