‘Cidade de Deus’: reality tour e o LEGADO do filme
O conceito em ascensão do reality tour não foi criado pela produção cinematográfica de 'Cidade de Deus'. Entenda!
O conceito em ascensão do reality tour não foi criado pela produção cinematográfica de ‘Cidade de Deus‘, mas certamente o aclamado filme, mesmo sem pretensão, ajudou a disseminar o conceito do tipo de turismo.
O reality tour convida os estrangeiros a conhecerem um lugar sob uma outra perspectiva, não aquela dos incríveis pontos turísticos que poderiam muito bem ser assunto em qualquer tela renascentista, mas a realidade crua de um lugar, tal qual geralmente é menos ornamentada e muitas vezes potencialmente perigosa, como é o caso das favelas do Rio de Janeiro.
Esse tipo de turismo alternativo e underground propõe “experimentar a realidade” desses lugares em pacotes bem caros que inclusive podem incluir um bate-papo com algum chefe de tráfico de drogas da região.
O reality tour existe desde 1990 e ganhou muita força com as coberturas jornalísticas sensacionalistas nas comunidades periféricas. Nesse sentido, o drama da ‘Cidade de Deus’ corrobora para a popularização desse setor.
Alexandre Rodrigues, que interpretou Buscapé na trama, receia que o filme seja comumente mal interpretado, colaborando para o fetiche da favela que nem sempre condiz com a realidade, se distanciando também do conceito do turismo e gerando frustrações:
“O filme é uma obra aberta — como um livro, todo mundo tem suas interpretações diante dele. Mas tudo o que aparece através de uma câmera fica glamourizado, tem brilho, chama mais atenção do que a própria realidade. Eu posso falar isso porque já tive essa experiência.”
“De fato, as pessoas criaram um fetiche de favela, uma curiosidade para ver se era aquilo mesmo que o filme mostrava. E, quando chegava lá, não era”, continua ele.
“No fim das contas, eles veem outras coisas: as pessoas descendo para o seu trabalho, as crianças indo para a escola, o pessoal jogando bola… Diferente da parte que o ‘Cidade de Deus’ retrata, que é a pior parte da favela.”
Mas será que o filme de Fernando Meirelles e Kátia Lund gerou mesmo esse tamanho equívoco? Certamente a resposta é, no mínimo, complexa. Talvez a que mais se aproxima da verdade seja a de que a produção de ‘Cidade de Deus’ mantenha diversos focos de interesse, desde uma simples curiosidade sobre a região quanto à denúncia da violência lá presente ou mesmo por oportunismo das agências de viagens e alguns canais midiáticos sensacionalistas.
Independentemente de qualquer coisa, o legado do aclamado filme que rendeu não uma, mas quatro indicações ao Oscar (incluindo Melhor Direção) está longe de acabar nessa premissa.
O filme é passível de diversas discussões, tornando realmente difícil quantificar as camadas de profundidade da narrativa e do contexto. Mas, superficialmente falando, ‘Cidade de Deus’ é, sem dúvida, um ímpar, sendo o segundo filme em língua não inglesa mais visto do planeta e que consagrou frases como: “Dadinho é o c*ralho, meu nome é Zé Pequeno, p*rra!”.