Cães radioativos? Veja o que aconteceu com os cachorros de Chernobyl

Militares foram responsáveis pela neutralização da população de animais do entorno de Chernobyl.

Neste ano, o acidente nuclear de Chernobyl chega mais perto dos 40 anos. Nessas quase quatro décadas da catástrofe, muito já se falou sobre o evento: livros, documentários, filmes e séries foram criados.

Conhecemos um pouco do que aconteceu com a usina, as pessoas que estavam lá e seus descendentes. Mas e aqueles que não saíram de lá… os cães de Chernobyl?

A série da HBO sobre o acidente tirou um espaço para falar sobre esses moradores de Pripyat. Para evitar a disseminação radioativa e de doenças, esquadrões militares foram responsáveis por uma investida de neutralização.

Outro lugar onde podemos ver uma menção da perspectiva dos animais de estimação foi no livro “Chernobyl Prayer”, escrito pela jornalista bielorrussa Svetlana Alexievich.

Ela reconstruiu os aterrorizantes primeiros dias do desastre por meio do relato dos sobreviventes do acidente. No livro, Alexievich inclui o trauma que as pessoas sofreram por terem que deixar seus animais de estimação para trás.

Em alguns desses relatos, uma pessoa se lembrou de:

“[…] cães uivando, tentando entrar nos ônibus. Mongóis, alsacianos. Os soldados os empurravam para fora novamente, chutando-os.

Eles correram atrás dos ônibus por muito tempo. Famílias desoladas pregaram bilhetes em suas portas: ‘Não mate nossa Zhulka. Ela é uma boa cachorra’.”

A tentativa do esquadrão militar não foi 100% eficaz, pois alguns cães conseguiram escapar e sobreviver nas florestas do entorno da usina e próximas à cidade de Pripyat.

Cerca de 25 anos depois, uma nova estrutura de confinamento foi construída sobre o reator danificado. Nessa época, a região se tornou um destino de “turismo de desastres”. Com a movimentação, os cães de Chernobyl migraram para essas áreas, onde as pessoas os alimentavam.

Quando o biólogo evolucionista da Universidade da Carolina do Sul (EUA), Timothy Mousseau, chegou ao local em 2017, a população de cães de rua era de cerca de 750.

Com o aumento do número da população canina, as autoridades passaram a se preocupar com o risco de raiva.

O que atualmente é feito pelos cães de Chernobyl?

Em 2016, nos Estados Unidos, o Clean Future Fund (CFF) foi criado com a intenção de oferecer apoio e assistência médica às comunidades afetadas por desastres. Nesse contexto, os cães de Chernobyl chamaram a atenção da fundação.

Com a permissão das Autoridades de Gerenciamento da Zona de Exclusão, o CFF pode dar aos cães os cuidados veterinários necessários e realizar o controle populacional.

Para realizar essa tarefa, a fundação montou um hospital em um dos prédios antigos, e Mousseau organizou um laboratório para acompanhar os veterinários durante os procedimentos.

Devido às quantidades de contaminantes radioativos presentes no sistema dos animais, eles não podem ser removidos da zona, mas os cães recebem cuidados essenciais.

Jennifer Betz, a veterinária responsável por dirigir o programa, descreveu o processo realizado nos animais:

“Capturamos os cães, esterilizamos, vacinamos, colocamos microchips, etiquetamos… E Tim tem colocado dosímetros em seus brincos.

Depois, nós os soltamos no local de onde vieram para que possam viver suas vidas da forma mais feliz e saudável possível.”

Por meio dos dosímetros, que os pesquisadores recuperam meses ou anos depois, é possível saber a exposição total à radiação.

O cofundador e presidente do CFF, Erik Kambarian, explica que, até o momento, os dados mostram que os cães que vivem próximos da região do reator sofrem radiação milhares ou dezenas de milhares de vezes maior do que os níveis normais.

Uma pata amiga

Além da iniciativa do CFF, Mousseau e Elaine Ostranger, que dirige o Projeto Genoma do Cão no Instituto Nacional de Pesquisa do Genoma Humano, estão à frente de uma pesquisa de grande impacto com a população de cães de Chernobyl.

A dupla está desenvolvendo uma pesquisa que tem o potencial para transformar tudo o que se sabe sobre os efeitos da radiação nos mamíferos. Isso pode até mesmo ajudar a saber os efeitos da radiação em seres humanos, afirmam os pesquisadores. Mas como é feito?

Mosseau coleta amostras de sangue e tecidos dos cachorros para análise de DNA, e Ostrander é responsável por sequenciar essas amostras de DNA.

Recentemente, Elaine fez uma publicação na Science Advances, em que descreve a descoberta da estrutura genética de 302 cães de raças mistas que estão na região, identificando 15 famílias diferentes, entre raças grandes e pequenas.

Uma parte importante do estudo foi estabelecer quem era quem e onde os animais viviam, já que os níveis de radiação variam muito. Por isso, Mousseau decidiu incluir a localização de onde cada animal foi capturado quando as amostras de sangue foram coletadas.

Para se ter uma ideia da importância da experiência biológica desses animais, entenda que eles viveram e evoluíram em isolamento por 15 gerações desde o acidente nuclear.

Sabe-se que eles morrem jovens, com três ou quatro anos de idade (10 a 12 anos é o normal para cães de 75 quilos). Então, como eles não vivem muito tempo, Ostrander supõe que:

“O que quer que tenha acontecido no genoma que permitiu que esses cães sobrevivessem nesse ambiente muito hostil provavelmente são [mutações em] genes muito grandes e importantes que fazem coisas muito importantes.

Em última análise, queremos saber o que aconteceu com o DNA genômico que permitiu que [os cães] vivessem, se reproduzissem e sobrevivessem em um ambiente radioativo.”

Por meio da identificação das famílias, Mousseaus e Ostrander podem identificar e procurar diferenças entre a prole e os pais. Desse modo, eles conseguem observar as mutações ou potencial para mutações que talvez possam ser passadas de geração para geração dos cães que sobreviveram à explosão em 1986.

Próximos passos

As próximas etapas dos estudos com a população de cães de Chernobyl vão analisar o que mudou na composição genética dos animais nos últimos 37 anos.

A equipe tem grandes expectativas de responder a perguntas que podem ajudar os cientistas a entender melhor os riscos associados à exposição à radiação.

Algumas dessas perguntas são: o que precisa acontecer para que os filhotes consigam nascer vivos e possam crescer? Os genes que sofreram alterações são os mesmos que já conhecemos sobre os efeitos da radiação?

Ainda há questões como: existem alterações nos genes envolvidos no reparo do DNA, no metabolismo, no envelhecimento ou em novas respostas que permitiram que os cães sobrevivessem? Em que níveis os danos significativos começam a aparecer?

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